Dernier Souffle: Ora minguante, ora crescente.

26 de janeiro de 2011

Ora minguante, ora crescente.


1967, Gniezno - Polônia.

Eram 03:15 da madrugada quando Janel saltou da cama. Algo estranho pairava no ar e a menina no auge de sua meninice não conseguia decifrar o que era. Caminhou em direção à janela do seu quarto e tudo parecia perfeitamente normal. Voltou para cama e concluiu que pudesse ser apenas um pesadelo, ou talvez os barulhos assustadores da velha casa ao final da rua.
Janel Wachowicz era uma menina de 11 anos intuitiva e perspicaz, usava óculos fundo de garrafa que escondia um par de olhos bem atentos e espertos. Adorava a noite e o céu que este proporcionava. Vivia dizendo que quando crescesse seria astronauta. Seu maior sonho era ver a Lua, porém não com os olhos humanos da Terra e nem com a mesma distância, queria vê-la de perto, queria sentir a brisa e o aroma que inundavam o seu quarto todas as noites. Poucas pessoas faziam parte da sua vida. Os senhores entenderão o porquê, logo a seguir.

Morava com os tios, um gato rechonchudo e um primo sardento que não era lá muito amigável, quase nada. Seu tio Adolf, era um homem humilde, sempre trabalhou na lavoura e ainda cultivava sonhos de garoto. Janel encontrava nele um ombro amigo e um abraço caloroso, sempre que precisasse, já com a tia era outra história. Bogdana era prepotente e mal humorada. Nada estava bom para ela. Era daquelas que quando se falava "bom dia", ela respondia: - "O que você quer"? Era camponesa apaixonada quando se casou com Adolf, por obrigação da família. Ou seja, não era por ele que ela morria de amores. Com o passar do tempo, tornou-se uma mulher amarga e solitária, procurava esquivar-se de tudo e de todos. O tio de Janel com esse tipo de atitude, tornava-se cada vez mais companheiro assíduo da tristeza. Ela confortava-o como ninguém. O primo foi fruto de uma noite de bebedeiras, episódio que Bogdana arrependia-se amargamente.
Inclusive tinha um acordo com o marido, casavam-se, mas não teriam nenhum tipo de contato físico. Aquela noite havia sido um terrível erro. O primo Haskel era um garoto intragável. Sua maior diversão era sapecar passarinhos com o seu estilingue mortal e irritar Janel. Bem no fundo era um menino carente, cuja única intenção era a de chamar a atenção.
A pequena polonesa tinha que engolir esses e muitos outros sapos, mas ainda assim era feliz. Encontrava na imensidão da noite a sua calma e prazer.
Os habitantes da casa não faziam questão da presença de Janel, exceto o tio. Aliás, era uma casa de solos, ninguém se suportava.
O jantar era a única refeição obrigatória. Para ela era o pior momento do dia. As piadas e zombarias dos colegas da escola eram pequenas perto dos "temidos jantares". Ora balançava os pés, ora estalava os dedos, o que sempre ocasionava a ira de sua tia rabugenta. Janel era muito inquieta, e por mais que tentasse manter-se em silêncio, era uma tarefa um tanto quanto difícil. Cabia à sua tia entortar o nariz.

Fazia as mesmas coisas todos os dias, contudo para ela cada dia era diferente e especial. Cada dia era um dia a mais, e isso significava que seu sonho estava próximo de acontecer. Ninguém entendia os seus sorrisos bobos e gratuitos, afinal ela era a menina que havia perdido os pais e que morava com o tio tristonho, a tia rabugenta e o primo insuportável. Ela não se importava, ela simplesmente ignorava. Não podia perder o foco dos seus desejos. Era conhecida como lunática, e gostava disso.
Todas as manhãs pegava as pedras caídas nas ruas para a sua coleção. Pensava ser presente do céu enluarado.

Passaram-se dois anos, e com eles vieram muitas descobertas. Ela descobriu da pior maneira possível, o que era "menstruar". Estava na sala de aula quando aconteceu. Era como se uma cachoeira tivesse tomado conta do seu pequenino corpo e transbordasse. Manchou a sua saia e a cadeira da escola. Todos sem exceção, riram. Pobre Janel, queria ser um tatu nessas horas. Não tinha com quem compartilhar as suas angústias e as únicas "mulheres" que faziam parte da sua vida, eram suas amigas, tão inexperientes e cheias de dúvidas como ela. Aprendeu certas coisas sozinha e na marra. A tia e o primo continuavam a impedir-lhe de ter um caminho livre, e o tio à essa altura sofria de uma pneumonia forte.
Adolf já não tinha tanta disposição para ouvir-lhe e aconselhar-lhe, e devido à isso a menina tornou-se mais solitária. Uma luz pareceu surgir ao longe, quando ela conheceu Petroski, o seu novo vizinho. A família Kuffel, havia se mudado há muitos anos da velha casa falante - era como Janel a chamava devido os seus ruídos à noite, talvez o vento entre as janelas - e desde então ninguém mudou-se para lá.
Viam-se vez ou outra quando ela saía para ir à escola, e trocavam olhares curiosos. Passados um mês e meio, cumprimentavam-se todos os dias e até sorriam um para o outro. Petroski a convidou para um lanche da tarde, com os pais e a irmã mais velha. Após esse dia, tornaram-se inseparáveis, e logo o garoto estava matriculado na escola da desajeitada polonesa.
Compartilhavam as mesmas paixões por noites e pedras das ruas. Uma das descobertas tristes de Janel, foi saber que as pedras que tanto amava e achava serem da Lua, não passavam de simples pedras terrestres. Mesmo assim continuou a sua coleção. Não tinha muito o que colecionar, e o fato de saber que as pedras sobreviveriam a 10, 15, 20 anos, encantava-a.

Quando contou-lhe sobre o seu sonho de pisar e ver a Lua, ele riu, e ela o beliscou. Quem via os dois, pensava que ali houvesse uma coisa a mais que amizade. Não agora, mas o futuro não pertencia à eles. Bogdana não gostava das visitas frequentes de sua sobrinha à casa dos Kurek. Não que ela se importasse com a sua integridade ou o que fosse, todavia Janel era útil nos afazeres domésticos, e o novo vizinho estava sendo um belo motivo para a sua fuga de casa.

Assim como muitas de suas decepções que vieram de repente e sem dó, o dia 25 de junho de 1969 não foi diferente, seu tio morreu, matando com ele toda a sua esperança e abrigo que tinha no mundo. A tia só faltava dar graças à Deus, recebiam uma boa renda dos árduos anos de lavoura do tio, e portanto para ela, era apenas uma boca a menos para alimentar. Haskel sentia muita falta do pai. Janel passava os dias trancada em seu quarto.
Perdeu o encanto pelas belas noites estreladas, não visitava o seu querido amigo, comia muito pouco e faltava às aulas. Sua tia nem atentou-se à esse fato, como não fazia questão de notar a presença da menina, tampouco notou que a mesma não tivesse indo à escola.

Ela estava desgostosa da vida e afundava-se cada vez mais nessa depressão. E quando nada mais parecia fazer sentido, o seu antigo amigo da velha casa falante veio até à sua casa, gritando como um louco e ofegante com as palavras.

- Janel, Janel!
- O que é garoto? Que aflição é essa?
- Você não ligou a televisão hoje?
- Não, por quê?
- Não viste o que todos estão comentando? Não se fala em outra coisa.
- Fala Petroski!
- Hoje é o dia que o 1º homem pisou na lua. Um marco.
- Ah, está brincando. É verdade?
- Claro. Se não acredita, liga a televisão.

A lunática foi correndo ligar o "aparelho de imagens", e constatou que a notícia que o amigo viera lhe dar, era de fato verdade. Não piscava, não sorria, não teve reação. Apenas observava, não queria perder nenhum detalhe. Entre triste e feliz, Janel saiu de casa, foi respirar o ar que há tempos não respirava, e então caiu em si, havia perdido um grande e precioso tempo, estava com 13 anos e tinha muito o que viver e descobrir ainda. Em seu quarto obviamente que não seria. A mistura de sentimentos sumiu como pó. Admirava aquele cara que pisou na lua, e prometeu a si mesma que seria a próxima.

Voltou a encontrar o seu "amigo", e como foi dito acima, o futuro não os pertencia. Descobriram a pureza do primeiro beijo e consequentemente a sua estranheza, que vem junto com a bagagem inevitavelmente.
Eles eram os "esquisitos" perante à turma. Dois lunáticos. Dois sonhadores. Dois passarinhos prestes a sair de suas gaiolas.

A tia continuava azeda como limão e o primo mais maldoso e carente do que nunca, porém em uma visita que Petroski fez à Janel, juntamente com a irmã, o primo encantou-se por ela, deixando a tia em completo estado de nervosismo. Ela começou a pensar que enfim, o primo estava tornando-se uma pessoa melhor. Já a tia era caso perdido.

Os anos foram se passando, e a menina lunática da rua que tinha pedras, ainda cultivava seu sonho de ir à Lua. Não acreditava totalmente que Neil Armstrong houvesse pisado na Lua em 20 de julho de 1969, talvez nunca tivesse mesmo, ou talvez ela quisesse guardar consigo a doce ilusão de que seria a primeira.

Desajeitada, tímida, lunática, dona de grandes olhos e óculos fundo de garrafa, a menina que inventava nomes diferentes para as coisas, esquisita e magrela. Assim era Janel: a próxima pisante da Lua.

7 comentários:

  1. Own, Sweetie, eu realmente gostei.
    A personagem é cativante. Janel, quero dizer.
    E por vezes peguei-me com um olhar triste ou sorrindo.
    Admiro-me que você nunca teve um blog antes, pois, mesmo que marinheira de primeira viagem, está em um ótimo nível.
    Eu não estaria elogiando tanto se não achasse que merecesse.
    Continue escrevendo para que eu possa voltar para mais uma xícara de café e uma boa história.

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  2. Dani, que linda que você é. :}
    Obrigada, de verdade.
    É muito importante para mim ouvir isso. Estou tão feliz, haha.
    Janel, me cativou também.

    Continuarei escrevendo, pode aguardar. Quero muitas vezes servir-lhe café.

    <3

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  3. Estou. Completamente. Arrepiada.

    Mar, está muito bonito! Está criativo, está doce, está um pouco amargo, parece um livro compacto, não um conto. Acho que tem tudo isso em sonhos, afinal. Está lindo, lindo mesmo. Janel e sua família me lembram A Menina que Roubava Livros. Devo dizer que sinto uma certa honra de ter te empurrado para escrever algo e criar um blog? <3 E, como disse a Dani, você está em um nível surpreendente, mesmos sendo "de primeira viagem", rs.

    Um beijo, querida Mar. Da esta outra Mar que está cativada até os ossos.

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  4. Awn, Mar, estou sem palavras, de verdade. Não pensei que fossem gostar tanto do meu primeiro texto. É tão gratificante.

    Obrigada mesmo, viu?

    Tu és um amor. <3

    Ps: podes acreditar, tem tudo a ver contigo, rs.

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  5. Primeiramente eu queria dizer que o teu medo de escrever algo no blog foi totalmente desnecessário, linda. Olha só, no primeiro texto já encantando tantas pessoas. Acha que isso é fácil? HAHAHA Claro que não. E como a Mar disse, também vi bastante A Menina que Roubava Livros ali, mas com uma outra realidade, outra nacionalidade. E isso ficou interessante. Quem sabe um dia a Janel não chegue realmente à lua? Nada é impossível. Fico honrada de ter ajudado a achar a foto. E continue nesse rumo, garota. Porque tu tens talento.
    Um beijo, @pequenatiss.
    Cuide-se, linda.

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  6. (Estou sentindo que vocês querem me fazer chorar, estou sentindo, HAHA).

    Ah, Tiss, que belas palavras. Espero que meus textos tragam sempre alegrias, como esse. Sei que não é fácil mesmo, ainda mais no começo. E nada disso seria possível, sem vocês.
    A sua ajuda com a foto foi mega importante. Ela casou certinho com o texto, eu acho, rs.

    E quem sabe Janel não vá à lua mesmo, né?

    Obrigada pelas palavras e pelo incentivo. :}

    Lindas meninas que foram ESSENCIAIS para que esse blog saísse do fôrno: @_justdani, @nasaneeds e @pequenatiss.

    <3

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  7. Estou te seguindo aqui, querida.
    Seu blog é encantador *-*
    Beijos e au revoir (:

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