Dernier Souffle: Les saisons de l'amour (part I)

13 de março de 2011

Les saisons de l'amour (part I)

Entendemos por estações: primavera, verão, outono e inverno.
E o que ocorre em cada uma delas? E as histórias que embalam as flores, o sol, as folhas secas e a neve?
Se me permitem, contarei para vocês a história de Amélie. 
Francesa. É o que posso revelar por ora.

Au printemps.


“Passarinhos. Passarinhos são as minhas maiores paixões. Cantam, bailam no ar e cada qual com a sua cor particular. Fascinantes. São como flores na primavera. Será que um dia saberei voar assim?”

Palavras soltas de Amélie em 1981.



 Jardin du Luxembourg – Paris.


Quantas cores lindas ofuscavam os meus olhos naquela tarde primaveril. Cores. Essas danadinhas sempre me perseguiram. Era domingo e como de costume, visitávamos o Jardim de Luxemburgo. Qualquer artista que se preze ficaria extasiado com tamanha beleza. Paris por si só já era um encanto, entretanto esse dia era especial. Esperávamos a semana inteira para estar entre as flores, aromas e pessoas parisienses. Era como se um pintor em sua distração com pincéis e tintas, deixasse cair respingos pela cidade. Papai nos levava a esses e muitos outros lugares de Paris. Se éramos felizes? Ah, como éramos felizes. Nunca houve brigas entre nós e poucas pessoas acreditavam ser verdade, mas era.
Meu pai era um homem de pulso firme, porém era manso como um cordeiro. Era advogado dedicado. Tinha bigodes afiados e sempre cuidados com muito esmero. Chamava-me de “minha princesinha”. Dizia que eu tinha os cabelos cor de mel, mais lindos de toda a França. Sempre que ouvia isso de seus lábios, os meus abriam-se em formato de ovo e demoravam a fechar. Depois vinha o sorriso e a gargalhada. Minha mãe era uma flor. Emoção corria em suas veias, e por diversas vezes pensei não haver sangue entre elas. Tinha olhos verdes, lindos como a nossa grama verdinha. Não era de muitas palavras.


Nós, franceses, não somos muito de falar. Digamos que sabemos apreciar e esse com certeza é o verbo que nos rege.


Meu irmão era um menino muito fofo, daqueles que se quer morder. Herdou os dotes e personalidade de ma mère. Tinha um nariz levemente arrebitado que conferia-lhe um charme todo encantador. Era tímido e sensível, assim como eu.


Quer saber de moi? Não se apresse querido leitor, logo saberás bem mais do que eu.


Flores enfeitavam o nosso jardim de amores. Os vizinhos costumavam dizer que o nosso era o mais belo. E era. A felicidade que reinava no ar era a causadora de todos os bens.
Nossos dias eram simples, mas recheados com muito amor. Ah, como eu amava esses velhos tempos.
Morávamos em uma rua privilegiada. Cafés, biblioteca, padaria, floricultura, loja de conveniência e um cantinho de bruxos, eram o que adocicava a St-Germain-des-Prés. Eu era uma garota que amava ler e escrever. Os livros eram os meus mais fiéis companheiros, e em meu diário depositava todo o meu saber (que não era grande, mas suficiente para a minha faixa etária). E apesar de amar a leitura, recusava-me a pisar novamente no chão da biblioteca do Sr. Jacques. Mon père tentou quebrar esse obstáculo, chegando até a vendar-me, o que só agravou a situação. Não era bobagem. Foi trauma de infância, e contra esses medos é quase impossível de se lidar.
Eu tinha sete anos quando aconteceu. Adorava a área infantil da biblioteca, era tão colorida. Ficava horas e horas admirando as páginas e reparando nos poucos cabelos da cabeça do Sr. Jacques, ele não percebia essa atenção. Foi numa tarde qualquer de março que eu congelei. O velho Jacques recebera uma ligação suspeita e eu não me contive em escutar a conversa. Era tudo muito vago e estranho, mas ouvi claramente quando ele disse:

- Mas eu não a matei. Não. Não. Não. Aqui na biblioteca? Sim, o local do crime foi aqui, porém eu não a matei. Ora essa, eu amava aquela mulher, era o meu único tesouro. Eu não gostaria de ter que reviver esse pesadelo, Sr. Peter, contudo se for realmente necessário. Eu entendo. Fico no aguardo. Tu-tu-tu.

O Sr. Jacques empalideceu e por pouco não desmaiou. Não estava sozinha na biblioteca, fato irrelevante, pois mesmo assim impressionei-me de tal forma, fazendo com que não quisesse mais voltar lá. Foram feitas as devidas investigações e até ficou confirmado que o Sr. Jacques não tinha matado a esposa, todavia o medo inundava-me como mar alto. Não tinha medo dele. O meu pavor era com a biblioteca e os seus ares. Pobre velhinho, solitário e com olhos fundos de tanto chorar. Ele fundara a biblioteca juntamente com a esposa falecida, e tudo ali lembrava-lhe a sua doce amada. O amor era maior, não abandonava o local de trabalho, por mais que os dias fossem tão cortantes como faca novinha em folha.


Não pense você, caro leitor, que abandonei o mundo dos livros. Papai prestativo que era, pegava-os para mim e assim não perdi o amor e nem o hábito.


Sobre os livros, eu tenho muito a falar e quase nada a guardar. Li sobre dragões, fadas, animais, castelos, princesas, cavalos, crianças e sobre o amor. Esse último eu vi e senti de perto. Quanto amor escorreu por essa pele alva, quanto amor! Falei sério, quando disse que tenho muito a falar e quase nada a guardar. Os livros me trouxeram tudo e em mim nada ficou.


Isso será esclarecido mais tarde.


Já contava com dez anos e alguns meses. Incrível, mas crescer era algo inaceitável para mim. Não me permitia sentir dor alguma. Adultos sofriam demais. Era o que diziam os livros. Será que gostam ou é inevitável? Crianças são mais práticas e sem sentimentalismo exagerado. Talvez seja isso.


Sinto dizer-lhe, mas é inevitável. Posso afirmar agora.


Meu irmão e eu frequentávamos uma escola bem tradicional de Paris. Não éramos ricos, mas papai possuía muitos bens e trabalhava com fervor. Isso garantia a nós o conforto necessário, comida farta e educação exemplar.
Pierre queria ser engenheiro de aviões e eu escritora. Brincávamos disso. Eu escrevia histórias sobre garotos que queriam ser engenheiros e ele dizia que eu seria a primeira dama a viajar em um dos seus aviões, com um livro, claro.
Tínhamos uma relação muito boa, incomum até. Como sinto a sua falta, como dói o coração sem Pierre.
Meu lindo e ingênuo irmão viveu apenas 12 anos. Morreu em um acidente com o ônibus da escola. Estavam fazendo uma viagem para pesquisas, quando o ônibus chocou-se com uma árvore e caiu em um buraco, tirando a vida de três crianças, entre eles o meu querido irmãozinho. Viveu o que tinha para viver. Triste pensar que não conseguiu realizar o seu sonho. Pobre, Pierre. Espero que esteja sendo engenheiro das estrelas, esteja onde estiver.
Papai, mamãe e eu ficamos desconsolados e as flores de outrora já não possuíam tanta doçura e vida. Agora tinham espinhos e uma maneira torta de crescer. Mon père não demonstrava a sua dor. Tornou-se mais sério. Ainda bem que não desamparou mamãe.

E foi com apenas dez anos vividos que conheci a sonoridade e o peso da palavra “dor”. Já tínhamos intimidade dentro dos livros, contudo fora deles era bem mais assustador. Resolvi mais do que nunca apegar-me aos livros e ao sonho de ser escritora, meu irmão merecia isso. Eu merecia. Quanto à biblioteca, ainda não tinha coragem de enfrentá-la, só de pensar sentia arrepios. Imaginava-me ouvindo a voz da esposa do Sr. Jacques. Ler dá asas à imaginação. Não sei até que ponto isso é prejudicial.

Os anos passaram-se tristonhos e lentos. Estava agora para completar o meu 15º aniversário (tão esperado por mim). Lembra daquela história de não querer crescer? Isso é balela quando se quer descobrir o beijo roubado do príncipe. Ah, sonhava com o meu todas as noites. Por onde andava?


Os príncipes chegavam a cavalo para cortejarem as suas princesas. O meu poderia chegar de trem mesmo.


Ma mère queria que eu tivesse uma comemoração especial, queria que tivesse tudo o que eu gostava. Enfeitou a casa com faixas e bolas coloridas. Preparou croissants deliciosos (e como eram deliciosos). Convidou alguns amigos da escola e alguns vizinhos. Tive que deparar-me com o olhar do Sr. Jacques quase a noite inteira, afinal papai o estimava demais. Aqueles tristes olhos. Enxergava neles algo familiar, algo que talvez fosse meu. Quem sabe um dia.
A festa foi maravilhosa. A melhor coisa que mamãe fez para mim. Como queria que Pierre estivesse aqui. Sei que estava de alguma forma.
Os convidados foram embora e corri para abrir os presentes. Papai olhava-me atento. Ganhei vários livros e cadernos para anotações. Algumas roupas, sapatos e enfeites de cabelo. O que mais me surpreendeu foi quando papai perguntou-me o que eu queria de presente. Respondi que nada, pois a festa já tinha sido um grande e lindo presente. Ele insistiu tanto, que pensei em algo tentador. Pedi para passear pelas margens do Rio Sena. Ele ficava bem próximo de nossa casa, algumas quadras apenas, mas não tínhamos o costume de ir lá. Papai concordou, deu-me um voto de confiança, afinal, agora eu era uma mocinha de quinze anos, muito comportada por sinal.


Dizem que o amor entre enamorados surge no primeiro olhar. São almas que se encontram e reconhecem-se de imediato. Será?



Decifrando palavrinhas:
Au printemps: na primavera.
• Ma mère: minha mãe.
• Moi: mim.
• Mon père: meu pai.


10 comentários:

  1. Tão lindo e inspirador o seu blog!
    Senti uma energia única... Quando o fim de tarde se pronuncia e o cheio de café fresco se mostra convidativo. Foi isso que senti.
    Fico feliz de tê-la encontrado e poder ler seus escritos!
    Parabéns!

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  2. Tudo isso soa como música para meus ouvidos, Marcela. "Sobre os livros, eu tenho muito a falar e quase nada a guardar. Li sobre dragões, fadas, animais, castelos, princesas, cavalos, crianças e sobre o amor. Esse último eu vi e senti de perto. Quanto amor escorreu por essa pele alva, quanto amor! Falei sério, quando disse que tenho muito a falar e quase nada a guardar. Os livros me trouxeram tudo e em mim nada ficou." Adorei esta parte.

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  3. Já disse que tenho orgulho de ser madrinha desse cantinho encantador? Então repito. Eu adoro. E, olha só, parece uma imagem feita de sonhos esta de Paris. A biblioteca, o aniversário, tudinho em mínimos detalhes. E o que me surpreendia é que, toda vez que um parágrafo amolecia meu coração, vinha outro e dava um corte aqui e ali. Deixou-me completamente despreparada, cada palavrinha. Pois bem, estou ansiosa para a próxima parte. Melhore cada vez mais, chérie. <3

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  4. Não queria ler esse texto sem a próxima parte porque sabia que eu ficaria ansiosa. Viu, não resisti. Li, reli e agora quero de novo, quero mais. Suas palavras não são pra ser lidas, são pra ser mastigadas, pra viajar dentro da gente, pra encantar cada órgão, pra misturar com a corrente sanguínea e nos (e)motivar. E quando se lê esses com próxima parte, bom, nos deixa aquela água na boca, aquela vontade de mais. Mas vou me controlar, vou saborear o primeiro esperando (ansiosamente) pelo segundo.

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  5. Demorei, mas cheguei. Sinto-me honrada de já ter lido a história e encantada com o modo como você ajeita tão bem as palavras e faz uma simples história se tornar praticamente mágica. Seu blog é tão aconchegante, Mar. Daqueles lugares que entramos e nos sentimos tão bem que parece que estamos em casa. Eu me sinto como se estivesse no meu blog. E olha que isso é bem difícil de acontecer. Continue assim, minha linda. Escrevendo. E lembre-se: por mais que você demore a postar, o que importa é a qualidade, e não a quantidade.
    Um beijo, da sua @pequenatiss.

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  6. Oi (:
    Estava passeando por ai e vi seu blog, muito lindo *-* e o texto: maravilhoso, congrats (:

    BJão =^.^=

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  7. Eu falei que amei o texto há quase dois meses, e passei todo esse tempo com vergonha de comentar e completamente sem inspiração. Me perdoe, realmente sou muito sem criatividade, então só vou comentar o quão doce, apaixonante e bonito esse texto é, embora a melhor palavra para descrevê-lo seja exatamente doce. Tão doce que me faz sorrir, principalmente quando a menina, aos quinze anos, passa a falar do príncipe, do beijo sonhado, de como ele pode vir de trem.

    Tão lindo. Me apaixonei perdidamente por esse lugar. Um beijo para você, e escreva mais logo... Estou esperando!

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  8. Você já sabe que deveria voltar para cá, não sabe, menina?

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